Eu sou passional com importação, os desafios me mantém interessados e tenho aquele prazer de dever cumprido com cada processo finalizado, porém a passionalidade também me faz sofrer, quando surgem dificuldades para desenvolver os trâmites.
Claro que não é qualquer problema que me exalta, a experiência, idade e um bom gerenciamento de risco, me tornaram tolerantes com os erros, estou ciente que eles acontecem, então resolvo e busco soluções para que não se repitam.
Mas o que me tira do sério mesmo, é quando o exportador age com descaso.
Exportador? Você não quis dizer o importador?
Sabe como somos bem tratados antes de contratar um plano de celular, de internet, ou abrir uma conta bancária, e depois de assinado o contrato o tratamento muda completamente? Isso também acontece no comércio exterior, o vendedor te trata de um jeito, e o operacional dele para exportar de outro.
A história que contarei é real, infelizmente ela se repete eventualmente com outros novos fornecedores por mais que tentemos nos precaver, claro que informações sensíveis serão alteradas e/ou ocultadas, o que para mim é tranquilo, já que estou a mais de dez anos nessa vida.
Sistema X.
Há um sistema em toda embarcação do tipo Rebocador ou PSV (Platform Supply Vessel), que chamaremos de Sistema X, ele não é caro como os propulsores e motores, mas tem relevante importância e é meticulosamente analisado pela engenharia e sociedades classificadoras.

Tínhamos o costume de comprá-lo de uma tradicional empresa europeia, vamos chamá-la de FDP Incorporated, de médio/grande porte, a qualidade do equipamento era considerado impecável e muito valorizado pelos Armadores (Proprietário da embarcação, não estou falando de basquete).
Porém, todavia e entretanto.
Eram difíceis de lidar na importação, além da mercadoria ser classificada como IMO (Carga Perigosa), eles geravam dificuldades na entrega e para emitir os documentos embarque como precisávamos. Eventualmente, ocorria de recebermos o sistema X incompleto, faltando pequenas peças, nada que fosse comprometer numa vistoria de canal vermelho, mas precisávamos cobrar o envio do que faltava, normalmente via ‘’Courier’’ (como normalmente chamamos o envio por remessa expressa).
Meus colegas da área sabem que são dificuldades corriqueiras, porém o preço e qualidade do sistema X compensava o trabalho extra que tínhamos, também não havia a postura de descaso que mencionei.
Ainda.
Conhecendo a FDP Incorporated de perto.
Certo dia, um gringo me liga e se apresenta:
– Hello Jonas, me chamo Sr. Whatever e serei seu representante comercial da FDP Incorporated, estarei no Brasil em breve e gostaria de marcar uma reunião contigo para coletar feedback e contar as novidades da empresa.
Fiquei muito feliz com a ligação, os caras queriam feedback, logo, eles estão trabalhando para melhorar, né?
Pois é, mais de dez anos no comex e ainda tenho essas recaídas de esperança.
Poucas semanas depois, recebo o Sr. Whatever em nossas instalações, mostrou-se um comercial mais direto no assunto, sem perder tempo com aquele papo vago de ‘’somos uma empresa dinâmica, comprometida e cheia de energia para se superar!”. Comecei apresentando nosso feedback e conclui lhe dizendo:
– Seu sistema é ótimo, mas preciso que sua logística de exportação tenha a mesma qualidade. ”
Ele foi anotando tudo que lhe disse e me apresentou as novidades com os olhos cheios de brilho.
– A FDP adquiriu recentemente a Ranço Enterprise, agora somos os maiores do mundo de nosso segmento!
– Que bom para vocês, mas isso me preocupa. O atendimento já não é satisfatório na situação atual, agora tendo este tamanho, provável que se tornem menos flexíveis, tentando nos impor seus procedimentos, e isso não funciona no Comércio Exterior brasileiro. São raras as empresas de presença global que nos atendam como fossem uma local.
– No no, Jonas! O que você precisar ou tiver dificuldades, me procure que lhe ajudarei pessoalmente.
Olhei novamente o cartão dele, o cargo que constava era ‘’Gerente de vendas nas Américas’’.
Além de ser mais um comercial achando ser capaz de resolver problemas logísticos e aduaneiros, se tratava de uma única pessoa para cuidar das 3 Américas.

A nova FDP Incorporated.
Na prática, não ocorreu mudança alguma na exportação das compras que já realizadas e que aguardávamos a prontidão para importar. Menos de 6 meses depois, começamos a negociar novamente a compra do sistema X para novas embarcações que seriam construídas.
E foi já na negociação que começamos a ter mais dificuldades, demora para fornecer cotação, atender dúvidas da engenharia e inflexibilidade nos termos comerciais, principalmente na forma de pagamento.
Sentíamos o desdém (sim, por escrito) nas palavras escolhidas, mas mesmo assim tinham preço, além da confiança no produto, além de facilitar o trabalho para a produção e engenharia do estaleiro, pois receberiam novamente um sistema conhecido.

Mesma empresa, novos problemas.
A FDP Incorporated parecia ter esquecido de como exportar e de todos os cuidados de fazê-lo ao Brasil, além dos problemas que mencionei no início, começaram a discutir ferrenhamente sobre a entrega conforme os Incoterms, e não havíamos mudado comparado as compras anteriores.
As entregas destas compras atrasaram tanto, que tivemos que embarcar no modo aéreo, e não foi possível trazer o sistema completo, pois o material que caracterizava como carga perigosa, era proibido de viajar de avião na quantidade comprada, então a parte perigosa veio via marítima. O atraso foi tanto que afetou o planejamento de nossa produção.
Se não bastasse embarcar de avião, ainda recebemos os sistemas com diversas partes faltando, algumas tão caras que sequer podíamos embarcar via Courier, pois superava o valor limite de 3 mil dólares.
Além de todas essas dificuldades, o que me causava gastrite era o bendito Descaso, mitrocentos e-mails cobrando novidades, ligávamos e respondiam tudo no gerúndio ‘’Estaremos verificando para lhe responder’’ e quando respondiam, era revoltante.
Como esperávamos ser respondidos:
Prezado Jonas,
Estamos tendo dificuldades com o fornecedor responsável pela peça Y do sistema, ele nos prometeu entregar até o dia 00, continuaremos em cima para garantir que esta data seja respeitada. Pedimos desculpas pelos atrasos causados.
E como nos respondiam:
Jonas,
Não conseguiremos entregar o sistema na data determinada, a nova data é daqui dois meses.

E o Sr. Whatever? Ele manteve-se prestativo e aparentemente tentou nos ajudar, mas nunca tinha sucesso, até acreditava no esforço dele, pois era possível sentir a impotência na voz quando me ligava.
Entenda que o descaso, pode ser oriundo de um problema interno muito mais sério, não apenas arrogância por atender uma empresa de porte menor comparado com seus principais clientes. Não justifica os problemas criados, mas é preciso sabedoria para não pressionar demais os envolvidos errados.
A gota d´água.
Depois de contabilizar todos os custos extras causados pelo exportador, levantar documentos da dívida, como notas de frete internacional, de armazenagem, de despacho aduaneiro, dos meus remédios para gastrite, início a cobrança para ressarcimento.
Após o longo tempo sendo ignorado, contestado e enrolado com mais gerúndios, recebemos a seguinte resposta do amigo Sr. Whatever.
Prezado Jonas,
Vamos aplicar estes custos como desconto na aquisição dos futuros sistemas para as próximas embarcações.
É a solução clássica de agente de carga e despachante aduaneiro, mas o que nos impressionou foi a esperança (ou arrogância) de achar que continuariam nos fornecendo.
A resolução.
Informamos não ser possível aplicar como desconto, pois as embarcações são financiadas, o que não é mentira, não é permitido misturar os custos entre os projetos quando há financiamento.
Por mais que tenham nos ressarcido, foram muitas surpresas e estresses que prejudicaram não somente na importação, mas também a produção e com nosso cliente. Eles participaram das cotações seguintes, mas apenas para referência, pois foi escolhido um novo fornecedor que nunca trabalhamos antes.
Resumindo, foram tantas dificuldades que eles causaram na exportação, que concluímos valer o risco de tentar um novo fornecedor e outro produto.
***
Como disse no início, essa história é real, o exportador localiza-se num país desenvolvido na Europa e seu produto é de alta tecnologia, quis contá-la para apresentar mais dificuldades corriqueiras da importação, mas principalmente para que os exportadores brasileiros não cometam os mesmos erros e que vejam que o ato de exportar, pode ser um fator decisivo na escolha de um fornecedor.
E você, leitora(o)?
O que os exportadores costumam aprontar que lhe causa gastrite? O que faz para evitar essas dificuldades? Já trocou de vendedor por causa de problemas similares? Me conte nos comentários!
Quem é o Jonas?
É um cara formado em comércio exterior, que trabalha há mais de dez anos com importação, compras e logística internacional, e continua apaixonado pela falta de rotina que essa vida tem! Agora ele quer dividir essa experiência com todos, de forma simples e bem humorada.
Além de aprimorar a escrita no Linkedin, pratica artes marciais, enfrenta eternamente sua pilha de livros, joga vídeo game desde o Atari e também curte ajudar os outros profissionalmente.
Talvez ele possa te ajudar, que tal procurá-lo?