Como encarar os difíceis dilemas no comércio exterior, em casos fortuitos ou de força maior?

Espere! Não fuja! Não vou falar do ocorrido no Canal de Suez.

Hoje quero conversar sobre as difíceis escolhas que precisamos tomar em situações desta magnitude (que quase sempre se enquadram em casos fortuitos ou de força maior) ou, no mínimo, precisamos aconselhar nossos clientes no Comércio Exterior a respeito.

São dilemas difíceis pois, mesmo com experiência, somente o futuro vai dizer se a melhor (ou “menos pior”) decisão foi tomada.

E é preciso saber viver com ela.

O que são casos fortuitos ou de força maior no comércio exterior?

Antes de deliberar sobre o tema, vamos ao conceito de cada um deles de acordo com a lei.

De acordo com o Parágrafo Único do Art. 393 do Código Civil, estes são os casos “cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” e a diferença entre ambos, de acordo com a doutrina do TJDFT é:

  • Casos Fortuitos – É o evento que não se pode prever e que não podemos evitar.
  • Força Maior – Os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas da mesma maneira não podem ser impedidos.

Tal como uma greve iniciada por servidores de um órgão público, que têm respaldo em lei para fazê-lo (Força Maior)

Ou uma tempestade de areia forte o bastante para encalhar uma embarcação no Canal de Suez, provavelmente causada pela Deusa Egípcia da fertilidade, da natureza e das águas (Caso Fortuito).

Se uma situação como a do Canal de Suez lhe afeta e você é religioso, adicione Isis em suas orações (junto do Santo Expedito).

Mal não faz, né?

Por que é difícil decidir nesses casos?

É difícil pois será necessário decidir com pouca ou nenhuma informação, como quando lemos que o fim da greve ou desencalhe vai levar de 3 a 30 dias.

Similar a quando”especialistas” dizem que a tendência do dólar para daqui 3 meses é de alta ou queda…

Mesmo que a situação contemple ressarcimento de seu seguro, o segundo motivo pelo qual é difícil decidir é que, independentemente da decisão tomada, ela vai causar prejuízos.

De modo geral, casos fortuitos ou de força maior costumam nos limitar a duas opções:

Esperar.

Se você acredita que a situação vai se resolver antes dela causar problemas e prejuízos relevantes, então a decisão será esperar.

Esperar, nesse caso, não significa “não fazer nada”, é possível minimizar os custos de uma greve, por exemplo, ao transferir a mercadoria para um terminal alfandegado com armazenagem mais barata, enquanto compra o mesmo produto nacionalmente ou renegocia os prazos que dependem dessa mercadoria.

Ou segurar o embarque marítimo da mercadoria (para que ela não entre ainda na fila das embarcações que esperavam a Ever Given desencalhar) para que assim possa estudar outras opções de frete internacional.

A verdade é que, dependendo da situação e do poder financeiro do importador/exportador, esperar será a única opção.

Mas se não for o caso a segunda opção é:

Resolver de forma onerosa.

Se a chegada da mercadoria ao destino final é necessária e não há mais tempo para esperar, então é preciso resolver já.

Contudo, isso dificilmente sairá de graça.

Uma mercadoria parametrizada em Canal Amarelo durante uma greve, por exemplo, pode ser solucionada com um Mandado de Segurança, mas dependo do valor da importação, pode sair mais caro que a armazenagem do primeiro período.

Se tiver mercadoria na Ásia e não quiser esperar o Canal de Suez reabrir para entregar a mercadoria na Europa, é possível transportar por ferrovia (arriscado e mais caro) ou ar (seguro, porém, muito caro).

Esperar um pouco, se nada mudar, resolver de forma onerosa.

Essa é normalmente a opção mais realizada na prática, não porque o risco é devidamente calculado, mas por não sabermos inicialmente o tamanho da bucha do problema que o processo se meteu.

E, nesse segundo caso, o importador/exportador (e demais empresas do Comex) acabam passando pelos estágios do Modelo de Sofrimento de Kübler-Ross, mais ou menos assim:

  1. Negação: “Não deve ser tão difícil assim reflutuar uma embarcação, amanhã tá tudo de volta ao normal.”
  2. Raiva: “Por que só com as minhas cargas? Não é justo!”
  3. Negociação: “Ísis, Santo Expedito, por favor, ouçam minhas preces!”
  4. Depressão: “Por que eu não fui estudar medicina?”
  5. Aceitação: “Tá… Embarca a próxima entrega por avião, não dá para esperar mais.”

Tome uma decisão.

Limitei a decisão a duas opções, mas os planos de ação dentro delas são diversos e variam conforme a mercadoria e a situação. Pois o problema é ter condições financeiras de tomar uma decisão, mas preferir patinar nos estágios 1 até 5.

Similar a um investidor que não se conforma que as ações compradas, estão em queda.

Convenhamos, se você se limitar a ficar na torcida/oração/revolta/reclamação no Twitter, deixará a solução a cargo de quem não está preocupado contigo.

Podem até desejar que a greve termine logo e que o navio desencalhe o quanto antes, mas o foco será sempre, em primeiro lugar, nos interesses próprios.

Depois que o plano de ação for executado, não se martirize.

O plano de ação executado tem como objetivo conter prejuízos maiores, ou seja, não há praticamente qualquer chance de isso sair mais barato que antes da bucha do problema acontecer.

Se você impetrou um Mandado de Segurança e ele foi favorável e liberou sua carga no mesmo dia que a greve acabou (já aconteceu comigo) ou se sua carga embarcou no avião poucas horas antes do Canal de Suez ser liberado: paciência!

Sei que financeiramente é ruim, mas o foco do papo não é esse, você buscou a melhor decisão com as informações que tinha e com sua experiência em buchas passadas.

Ficar dizendo para si (ou pior, para os outros) o que devia ter sido feito depois que o problema acabou, é igual programa que opina sobre partida de futebol: muito fácil dar pitaco sobre o passado.

E você, amiga(o)?

Qual sua opinião sobre o tema? Quais são os dilemas mais comuns que precisa enfrentar no Comércio Exterior? As experiências passadas ajudam? Teve alguma mercadoria afetada pelo bloqueio do Canal de Suez? Vamos continuar a conversa nos comentários 🙂


Desde 2007 atuando no comércio exterior e importação, decidi aliar meu amor pela escrita para ensinar e discutir sobre essa carreira que tanto aprecio, mas de forma simples e bem humorada.

Pois a leitura não precisa ser um fardo para ensinar.

E o que começou como hobby, me rendeu a oportunidade de escrever e palestrar para empresas do ramo como: Gett, Conexos, Allog, Cheap2ship, Mainô, Cronos, DC Logistics, Amtrans, Interfreight, Logcomex, Grupo Trust, Dati, Conexo, Inova Despachos, entre outras.

O hobby virou 2º emprego e hoje é o 1º, pois além de textos, palestras e consultorias, iniciei um podcast chamado Invoice Cast e no final desse mesmo ano, fundei com mais dois amigos uma agência focada em Comércio Exterior, a Invoice Content.

Tá afim de trocar uma ideia comigo? Me chama aí!

Não espere um setor de compliance, para começar a cuidar do seu.

O Comércio Exterior é cruel com quem perde prazos, pois isso normalmente resulta em custos extras na operação, perda de embarque ou até perda de cliente.

E, para que consigamos realizar tudo em tempo, costumamos fazer diversos sacrifícios como: almoçar em 10 minutos, trabalhar até tarde e não dar a mínima para o seu Compliance.

“Meu trabalho é cotar frete internacional, realizar a operação, bater metas de vendas, registrar as DI no dia da presença de carga, compliance não é problema meu”.

Terceirizar a responsabilidade é o caminho mais fácil para essa situação, contudo, é questão de tempo até você ser apontado como o culpado de alguma treta.

Veja o Compliance como a construção de um Escudo que vai lhe proteger nos momentos que lhe atacarem (vulgo: botarem no teu), pois o culpado no Comércio Exterior não é sempre o responsável mas sim, aquele que não tinha um Escudo para se proteger.

O que é Compliance?

Numa tradução literal, significa Conformidade, livremente entendido no meio profissional como “estar em conformidade”.

Então, quando uma empresa informar que trabalha conforme seu próprio programa de Compliance, ela quer dizer que existem regras e trâmites internos padronizados, que também respeitam a legislação em vigor sobre aquele assunto.

Sabe quando você trabalhou ou contratou uma empresa que te fazia pensar seguidamente:

  • “Não faço ideia de quem é o responsável por isso…”
  • “Vai desse jeito mesmo?”
  • “Como assim o documento tá salvo no Outlook?”

Esses são sentimentos causados por falta de Compliance… ou o básico dele, que é a boa e velha organização e estrutura de procedimentos.

E sabemos a que nível de M as 3 frases acima podem evoluir numa Importação ou Exportação…

Como começar seu Compliance no Comércio Exterior.

O “como” será visto abaixo, mas o mais importante é que ele precisa começar protegendo VOCÊ pessoa física.

Primeiro porque, se você já tem tempo de casa, sabe com funciona seu trabalho e, segundo, está ciente quais são os trâmites com maior sensibilidade no gerenciamento de risco (vulgo: aquilo que você faz e que ‘dar M’ é rotina).

Dessa forma, seu Escudo começará grande o bastante para proteger você, para depois proteger seu setor.

Se você sabe que desenho é esse, condene sua idade me falando nos comentários 🙂

Sabe o nome desse desenho? Me fala nos comentários (se não se importar de condenar a idade :P)

Algumas das sugestões podem parecer bem óbvias para os calejados da área, entretanto, testemunhei empresas com mais de 10 anos e/ou 50 funcionários falharem nelas, logo, o óbvio precisa ser dito.

Crie procedimentos.

Criar procedimentos significa formalizar em um documento como você realiza seu trabalho. Isso inclui, por exemplo, um passo-a-passo dos trâmites e a definição requisitos para que uma etapa esteja em conformidade para evoluir à seguinte.

Para começar, não é preciso criar um gigante procedimento explicando tudo o que você faz, nem recomendo, pois você acabará desistindo.

Comece com o que é mais suscetível de dar M erro, como um procedimento para solicitar cotação de frete internacional, por exemplo:

  1. Selecionar quatro Agentes de Carga (com cadastro aprovado para nos atender);
  2. Enviar solicitação de cotação aos quatro, ao mesmo tempo, usando o mesmo arquivo, com as mesmas informações e prazo de resposta;
  3. Se duas ou mais das melhores cotações tiverem uma diferença menor que 10%, solicitar desconto;
  4. Fechar com a melhor proposta e enviar a Instrução de Embarque;
  5. Enviar feedback aos Agentes de Carga não escolhidos.

O exemplo é simples pois não é momento de ir a fundo nisso, mas pelo o que converso com meus amigos do agenciamento de carga, não são poucos os clientes que nem isso fazem :/

É evidente que o procedimento será respeitado contanto que seja estável e não sofra contínuas alterações, o que é diferente de adições: naturalmente ele será aprimorado ao longo do tempo, pois mesmo com muita experiência prática é impossível pensarmos de primeira em todos os trâmites e exceções.

Formalize as comunicações.

Por mais que você seja íntegro e/ou competente, se você não tiver registro do que foi conversado, isso será usado contra você no momento que for investigado quem é o responsável por algum eventual prejuízo.

Um simples e-mail que começa dizendo “Conforme conversamos agora por telefone, fica definido…” basta para fortalecer o seu Escudo.

E caso o trabalho envolva parentes e amigos, digo por experiência própria que a necessidade de formalização é dobrada, pois há grandes chances de, no caso de um conflito, resultar no fim de uma amizade.

Padronize o armazenamento de documentos.

Photo by C Dustin on Unsplash

Não adianta formalizar as comunicações por e-mail, se quando precisar do bendito, não conseguir encontrar. Pois ele vai ser necessário provavelmente daqui:

  • Um mês, quando a carga chegar no porto de destino;
  • Um ano, quando sua auditoria interna perguntar por que você contratou o segundo frete internacional mais barato, ou;
  • Daqui 4 anos, 11 meses e 15 dias, quando a RFB na Revisão Aduaneira, perguntar onde está a Commercial Invoice assinada, daquele exportador que nem existe mais porque faliu em 2020 por causa da pandemia.

Mesmo que não tenha um sistema para gerenciar seu comércio exterior, basta salvar os documentos na nuvem, respeitando a padronização de pastas e nomeação, junto do que foi comunicado por e-mail e fazendo assim que o processo for finalizado.

Porque, se deixar para depois, só será feito num dos momentos exemplificados acima.

Envolva superiores e demais envolvido nas situações extraordinárias.

Os procedimentos inicialmente criados começam na premissa de que tudo vai acontecer sem surpresas e urgências, naquele cenário ideal que não existe no Comércio Exterior.

Seguindo o exemplo anterior, digamos que uma peça de maquinário quebrou e é preciso urgentemente buscar uma nova na fábrica.

Até o momento, você só tem 2 das 4 cotações de frete internacional necessárias, se aguardar mais, a peça não chegará a tempo.

Este é um simples (e corriqueiro) caso em que o Compliance entra em conflito com uma relevante necessidade e, quando isso ocorre, é importante ter o aval de superiores e outros setores para, extraordinariamente, seguir com o embarque mediante 2 cotações apenas.

É ‘CA-LA-RO’ que o extraordinário não pode virar rotina 😉

Seu Compliance é para você, mas ele vai também proteger outros.

Se numa situação conflituosa que lhe envolve, junto de mais 3 partes, você for o único que tem como provar o ocorrido e, consequentemente, o responsável, isso resultará em uma das partes pistola responsabilizada e outras duas eternamente gratas contigo, pois durante o conflito não passava nem Wi-Fi tinham material para se defender.

E isso demonstra segurança e seriedade de sua parte, que vai refletir positivamente até mesmo no seu networking.

Provavelmente estas situações inspirem outros a cuidarem do próprio Compliance, seja porque viram a importância com seu exemplo, ou porque se ferraram bonito.

Mas a verdade é que a maioria vai se acostumar a pedir tudo a você, inclusive prestadores de serviço, prepare-se para dizer não.

Compliance é um Escudo, não uma Muralha.

Se não existir um mínimo de procedimentos, provavelmente seus trâmites até ocorram de forma eficaz, mas com sérios prejuízos financeiros e de integridade.

Por outro lado, se o Compliance for desenvolvido de maneira leviana, ele será intransponível de tão engessado, a ponto de tornar seu trabalho mais moroso e custoso – sem mencionar como é chato demais trabalhar com empresas assim.

Logo, Compliance exige equilíbrio entre Proteção e Eficácia.

Ao desenvolver o seu Compliance, entenda que você consegue caminhar com um Escudo na mão, mas uma muralha não lhe permite avançar.

Soldado morto não precisa de Escudo.

Você não precisa de um setor de Compliance ou uma controladoria pegando no seu pé para se preocupar consigo mesmo.

Há momentos conflitantes que vão “apenas” lhe causar uma azia, mas não são raros os momentos, em nossa área, em que se discute quem é o responsável pelo prejú de 20 mil reais.

E isso costuma atingir a parte mais fraca, normalmente o prestador de serviço, a pessoa nova na empresa ou aquela que ninguém suporta mais e a diretoria tá só esperando um motivo para mandar embora, mesmo que não seja por justa causa.

Ademais, dependendo da gravidade do assunto que lhe atingiu, isso pode lhe queimar permanentemente no mercado.

Nesse caso, será tarde demais para produzir um Escudo para chamar de seu.

E você, amiga(o)?

Acha o assunto importante? Tem um setor de Compliance ou controladoria na sua empresa? Como costuma organizar seus procedimentos e documentos? Já se incomodou com a falta deles (de sua parte ou de outro envolvido)? Conto contigo nos comentários!

Sua “curtidinha” e comentário me ajudam a saber o que gostam de ler, ajuda aí 🙂